sábado, 31 de agosto de 2024

Sentimiento del mundo


 

Tengo apenas dos manos

y el sentimiento del mundo,

mas estoy lleno de esclavos,

mis recuerdos se escurren

y el cuerpo transige

en la confluencia del amor.

 

Cuando me levante, el cielo

estará muerto y saqueado,

yo mismo estaré muerto,

muerto mi deseo, muerto

el pantano sin acordes.

 

Los camaradas no dijeron

que había una guerra

y era necesario

traer fuego y alimento.

Me siento disperso,

anterior a fronteras,

humildemente os ruego

que me perdonéis.

 

Cuando los cuerpos pasen,

me quedaré solo

deshilando el recuerdo

del campanero, de la viuda y del microscopista

que habitaban la barraca

y no fueron encontrados

al amanecer

 

ese amanecer

más noche que la noche.

 

 

Sentimento do mundo

 

Tenho apenas duas mãos

e o sentimento do mundo,

mas estou cheio de escravos,

minhas lembranças escorrem

e o corpo transige

na confluência do amor.

 

Quando me levantar, o céu

estará morto e saqueado,

eu mesmo estarei morto,

morto meu desejo, morto

o pântano sem acordes.

 

Os camaradas não disseram

que havia uma guerra

e era necessário

trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso,

anterior a fronteiras,

humildemente vos peço

que me perdoeis.

 

Quando os corpos passarem,

eu ficarei sozinho

desfiando a recordação

do sineiro, da viúva e do microscopista

que habitavam a barraca

e não foram encontrados

ao amanhecer

 

esse amanhecer

mais noite que a noite.

 

 

Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo. Pongetti, 1940. Traducción: Conrado Santamaría

Imagen: Holger Droste

No hay comentarios:

Publicar un comentario