lunes, 13 de enero de 2025

PARÁBOLA SOBRE LA UTILIDAD DE LAS COSAS


 

No hay espacio para poemas, ni retórica.

Claude Juncker

 

Inútiles los poemas, no hay espacio;

inútiles los poemas, pues no salvan;

inútiles los poemas, no acaban

con las balsas y los muros y las fronteras

y no dan de comer a quien tiene hambre

y no dan de beber a quien tiene sed

y no pasan sandalias a quienes intentan

huir de la angustia y del alambre

de púas que les cierra el horizonte;

inútiles los poemas, no impiden

los naufragios de miles, ni siquiera

las guerras de que huyen a millones;

inútiles los poemas, no trafican

armas y más armas y más gente

y petróleo y petróleo y más petróleo;

inútiles los poemas, tan inútiles.

Útiles los discursos y las lágrimas

de viejos cocodrilos.

 

 

PARÁBOLA SOBRE A UTILIDADE DAS COISAS

 

            Nâo há espaço para poemas, nem retórica.

Claude Juncker

 

Inúteis os poemas, nâo há espaço;

inúteis os poemas, pois nâo salvam;

inúteis os poemas, nâo acabam

com as balsas e os muros e as fronteiras

e nâo dâo de comer a quem tem fome

e nâo dâo de beber a quem tem sede

e nâo passam rasteiras aos que tentam

fugir do sufoco e do arame

farpado que lhes tolhe os horizontes;

inúteis os poemas, nâo impedem

os naufrágios de milhares, sequer

as guerras de que fogem aos milhôes;

inúteis os poemas, nâo traficam

armas e mais armas e mais gente

e petróleo e petróleo e mais petróleo;

inúteis os poemas, tâo inúteis.

Úteis os discursos e as lágrimas

de velhos crocodilos.

 

 

Domingos da Mota. En Inventário das travessias. VV. AA. Coordinadores: Pedro Miguel Salvado, António Lourenço Marques, Moana Soto, Stefania di Leo y Carlos Serrano. Ed. Labirinto, 2023.

Imagen: Chris Steele-Perkins. Bangladesh, 1992.

domingo, 12 de enero de 2025

DE LA PRENSA


 

Corren tiempos de atroces

inventarios, de expolios

tenebrosos, de mugres

deportivas

                        y de predicadores.

 

Otra indigna emboscada

de los secuaces subsiguientes, otra trampa

ruin de la cultura, asedian al incauto.

 

Profetas, amanuenses, monitores,

restablecen de nuevo

con insidias, con sañas, con patrañas

los lóbregos congresos de gregarios.

¡Tanto estupor ya preterido

y otra vez resurgiendo entre las mismas

deplorables monsergas!

 

Sólo el que se arriesga a no escapar

podrá escapar a tiempo del peligro.

 

 

José Manuel Caballero Bonald. Diario de Argónida, 1997. En Somos el tiempo que nos queda. Obra poética completa 1952-2009. Austral, 2011.

Imagen: Hannah Höch. Die Journalisten, 1925.

sábado, 11 de enero de 2025

[Nuestra exploración es, digámoslo así, hacia un mundo invisible ...]


 

Nuestra exploración es, digámoslo así, hacia un mundo invisible o, por lo menos, muy difícilmente visible: el envés del haz, el revés de la trama, los renglones torcidos de la escritura derecha del buen Dios. Miramos el tapiz por detrás. Es lo feo de lo bonito. Es la cochambrosa cocina de vuestro banquete rutilante, oh líderes y ejecutivos de este Mundo. Es el lugar de la blasfemia que no se escucha. Es la intrahistoria de la victoriosa batalla y de vuestras marchas triunfales: el mundo de los muertos y de los mutilados, de la roña y el pus que desmienten la belleza que vosotros postuláis para ese vuestro mundo de imágenes falsas y de relaciones públicas; mundo en el que toda suciedad es severamente ocultada e ignorada por vosotros.

 

Alfonso Sastre. Lumpen, marginación y jerigonça. Papeles hallados en el cubo de la basura. Hiru, 2007.

Imagen: Raymond Depardon

viernes, 10 de enero de 2025

CONRADO SANTAMARÍA BASTIDA: O SOL E O DOM DA SOLIDARIEDADE


 

«O drama do ser termina na libertação final pelo bem.»

Anthero de Quental

Mais uma lavra a não augar, nem recuar, na Península de Hespanha. O Poeta Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ), como sempre, é graduado, agraciado, com o dom das línguas lhanas. É que trasladar Poesia é crucial, e cordial, se for Poeta o tradutor. Quanto a Conrado Santamaría Bastida ( Haro, La Rioja, 04/ 09/ 1962 ), com fulgor, professando foi Professor de Grego e de Latim, ele é, lautamente, um linguista. Sua Filologia, de feito, apela e anela uma sã Filosofia. Que respeita, o Poeta, o simpósio. Acata, a Academia, o jardim de Academus. A língua, portanto, é aquilo que liga. Se a deusa Atena é de ateneu, deus Apolo, Apolo Lício, protege o liceu. Ouçamos, então, «E Não Recuar», o poema, ou emblema, que dá o título ao volume: «Em todo o tempo e lugar / frente ao poder, / o olhar suster / e não recuar. / / Se o preceptor na escola, / a seu bel-prazer, / te impõe regras à reguada, / pensa que não tens que acatar / e, em pé, / o olhar suster / e não recuar.» Dizer isto, caroalmente, é relembrar: na virulenta, violenta educação do Portugal salazarista, eram ensinados, os Poetas, ao murro e pontapé. Mas depós o Roland Barthes ( Cherbourg, 12/ 11/ 1915 – Paris, 26/ 03/ 1980 ) sabemos todos: se o texto, ao ser lido, não dá prazer, das duas uma: ou está mal escrito, ou é, perverso, o leitor. Não assim com Conrado Santamaría Bastida, não assim, ó legente, com Carlos d’Abreu. E se as palavras são parábolas, eis o que asserta, Conrado, sobre o grão Jesús Lizano  (Barcelona, 23/ 02/ 1931 – Barcelona, 25/ 05/ 2015), o Actor, e promotor, do «Mundo Real Poético»: «O Capital e o Estado / Negaram-te nome e glória, / Trataram-te como a escória / do pensar e do sentir, / pois te atreveste a dizer: «‘mi mundo no es de este reino’». «Transformar o mundo», deveras e adrede: eis o anelo, e a analecta, de Santamaría Bastida. E averbemos, aqui, «Nós não somos deste mundo» (1941), do altíssimo Ruy Cinatti (Londres, 08/ 03/ 1915 – Lisboa, 12/ 10/ 1986 ). Reincidindo, egregiamente: Professor de profissão é na verve o Conrado: é que ele se libera a si, liberando os outros seres. Se este livro é «Liber Mundi», «libertino» significa, originariamente, o «livre-pensador». A prova de que o Poeta é veramente Eleutério é o poema intitulado «Alimenta o Medo»: «Alimenta o medo / migalhas, despojos, /  mordaça na boca / e venda nos olhos. // Com metade do pessoal/ posto no olho da rua/ e dizem que me cale,/ que guarde a minha/  cadeira. A vida é simples / se te ajoelhas: / mordaça na boca / e venda nos olhos.» Pois como acontecia, Conrado, com Anthero de Quental ( Ponta Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ), a Poesia moderna é libertária, é a voz e a vez da Revolução. O sabe, muito bem, o sápido Vate: Revolução se faz para instruir, e não e nanja, ó legente, pra desleixar, ou destruir. E como dissemos, outrora, de Carlos Carranca ( Figueira da Foz, 09/ 11/ 1957 – Lisboa, 29/ 08/ 2019 ), o dizemos, também, deste Poeta: Conrado Santamaría Bastida não veio pra mandar, nem governar, ele veio ao mundo pra cantar, e declamar, ao som de uma guitarra, e essa a sua faina, o seu fermento e alimento.  Ou seja: na barca e no arcano, Conrado faz, arquitecto, o arquivo da crise. Quero eu dizer: Liberdade é para o Poeta o fundamento e firmamento. Mas Liberdade é para todos, e para os que pensam de maneira diferente da nossa. Ouçamos, por isso, o Poeta revel: «Colonizado, / não sou um ser colonizado, / eu mesmo / finquei a minha bandeira, / eu mesmo / tracei as minhas fronteiras, / eu mesmo / exploro as minhas riquezas, / eu mesmo / exerço sobre mim violência, / eu mesmo / livremente / escrevi este poema.» Sendo, a Poesia, o «Organon», o órgão, dessa mesma Liberdade. E sendo, este livro, não o Ego nem a filáucia, mas o farto, filantropo, e o discurso do Outro. Não a lei nem o tabu, mas o diálogo, acrisolado, do Eu com o Tu. Só à base do diálogo se aduz, e alevanta, a dialéctica dual. Ou como diz o Vate: «Dai-me ouvidos, companheiro, / companheira, / que aqui vos dou o meu cancioneiro, / a minha bandeira.» «Companheiro» vem do Latim e significa «aquele que reparte o pão», «o que come, conjuntamente, do mesmo pão.» E sendo a Palavra, e sendo o Pau da lavra, o cenáculo e o selecto da Geração de Setenta. Afiança, ferazmente, Fernando Grade ( Estoril, 01/ 04/ 1943 – Oeiras, 08/ 06/ 2024 ): «Os Poetas acasalam-se com a raiva». E se a Poesia de Conrado é deveras radical, é que ela vai à raiz dos problemas e dilemas. Que o móbil de vida do nosso Poeta é generoso e germinal, é «estar com quem sofre, com os feridos, com as vítimas da história». A mesma História que expulsou, com Platão ( Atenas, 428/ 427 – Atenas, 348/ 347 a. C. ), os Poetas e Profetas da sua República. Conrado, por isso, ao ser o Nume está imune, ele difunde, e ele defende, a Palavra da revolta. Dedicado, com «adresse», a Bertolt Brecht ( Augsburg, 10/ 02/ 1898 – Berlim Leste, 14/ 08/ 1956 ), ouçamos parte do poema «Perguntas duma mulher que lê»: «Quem amassou o pão dos que edificaram / Tebas, a das sete portas? / Nos livros não se menciona o nome de / nenhuma. / Por acaso reis e canteiros madrugaram por / lenha para acender o fogo? / E na Babilónia, destruída tantas vezes, / quem carregou a água para os que a levantaram / outras tantas? / E em Lima, resplandecente de ouro, quem / limpou os tugúrios onde viviam os pedreiros?» É evidente, aqui, que Conrado Santamaría Bastida está do lado do rebaixado e «abaissé», do explorado e sem abrigo, do precito e do maldito. E onde houver, na «polis», um só proletário, se ergue a Lira de Conrado, como um farol de Esperança; com ele nós cantaremos, e na lavra do acúleo, nós não recuaremos. Cantaremos então de pé, e com o Sol do nosso Amor derreteremos nós o gelo do diviso e da discórdia. É neste sentido que Dostoiévski ( Moscovo, 11/ 11/ 1821 – São Petersburgo, 09/ 02/ 1881 ) tem razão, que a Beleza, beletrista, salvará o mundo inteiro. E daí, comunial, a comunicação, daí a ligação da Beleza com o Bem. Ou melhor: saúde, fraternidade, a Beleza e o Bem aliados à Verdade. Conrado Santamaría Bastida: e aqui temos, infrene, a parábola justiceira e a Paideia perene, eis a Paz, eis o Pão, eis a láurea e a lis da lucubração. E temos visto e nós hemos de ver: através do selo sigila o Poeta, seu carácter se desvenda através dos caracteres. E partilhando, connosco, do ministério menestrel, ele no sidéreo sidera, no emissário remete, sua Poesia é deveras o jornal de jornadas. Ou como asserta, decerto, o Poeta da acracia: «Há que expropriar a luz / que nos iguala, / o bem que nos ampara! / Há que expropriar, irmãos, / a palavra!, / que floresça / o seu imediato e verdadeiro sentido! / Há que expropriar as leis dos astros, / que são afinal as leis dos homens!» Quer ele dizer: devolvamos, à palavra, o seu antigo poder mágico. Não sejamos denotativo, mas no cor conotativo; mais do que do comunismo, aqui se trata, decerto, de «As Maravilhas Celestes», do comunitarismo. Quero eu firmar: com compaixão, patética, por o ser senciente, Conrado só é ciente porque ele é, antes do mais, um Poeta consciente. Consciente no fazer. Que é o mesmo que inscrever: Conrado insiste, ele ex-siste, ele persiste, preste e pronto, na ex-centricidade do Ser. Do Ser e do «Dasein». Do «Dasein» e do «Mitsein». E isso, adrede, ele faculta, facilita e deveras habilita. Que a promessa, portanto, é compromisso. Perante a fome, o holocausto, e a guerra da Ucrânia, só nos resta, providente, perguntar: «Porquê o Ser, e não o Nada»??? Ao quesito responderam, por vias diversas, o Schelling ( Leonberg, 27/ 01/ 1775 – Bad Ragaz, 20/ 08/ 1854 ), o Leibniz ( Leipzig, 01/ 07/ 1646 – Hanôver, 14/ 11/ 1716 ) e com «adresse» o Heidegger (Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26/ 05/ 1976). Quero eu dizer: as palavras, em Conrado, não são negligentes. E como a Luz se reflecte, estamos perante, e somos ante, o raciovitalismo de Ortega y Gasset ( Madrid, 09/ 05/ 1883 – Madrid, 18/ 10/ 1955 ). A talho de foice, Santamaría Bastida faz sua, no Verbo, «A Metáfora do Coração» da María Zambrano ( Vélez-Málaga, 22/ 04/ 1904 – Madrid, 06/ 02/ 1991 ). Ou melhor: ao chamar, chamar a si o raciovitalismo, Conrado enlaça, e abraça, a poética razão; eis a Ágora, no adro, e o Teatro do Ser. Pois a Poesia, aqui, é uma questão, cordial, de vida ou de morte. Dous escólios, agora: em rezar  pascaliano, «o coração tem razões que a razão desconhece». Aquilo que era, pra Pascal ( Clermont-Ferrand, 19/ 06/ 1623 – Paris, 19/ 08/ 1662 ),  o coração, era, para Eduard von Hartmann ( Berlim, 23/ 02/ 1842 – Berlim, 05/ 06/ 1906 ), o Inconsciente, era  a Vontade pra Schopenhauer ( Dantzig, 22/ 02/ 1788 – Frankfurt, 21/ 09/ 1860 ). Ou, para Bergson ( Paris, 18/ 10/ 1859 – Paris, 04/ 01/ 1941 ), o lilial «élan vital». Averbemos, aqui, que a lavra de Hartmann, «A Filosofia do Inconsciente», foi lançada, lautamente, em 1869. Que teve relevante, marcante influência em Anthero de Quental e Oliveira Martins. Apostilha, deveras, sagrada ou segunda: a Poesia, em Conrado, é Filosofia de Vida, ela é, no charme, existencial. E no Karma, ou no carme, a Lira de Conrado Santamaría Bastida (Haro, 04/ 09/ 1962) é como a Lira, afinal, do Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ) ela é da esfera, ela é da «esphera» do Sagrado. E sem cairmos, ó ledor, em redundância: as Ciências beletristas são Ciências da Cultura, são Ciências, no «clerc», Sociais  ou Humanas, e por isso nós clamamos, e por isso lhes chamamos as Ciências do Espírito. Sendo a Palavra qual o Pão e o Pão, por isso mesmo, a poética parábola. E sendo a Cultura, logo a seguir ao Pão, a carência mais alta do bípede implume. A Poesia, como a Filosofia, ela faz parte ou participa da necessidade metafísica, metafísico é o homem muito mais que racional. Que o almo de que falo ele alinha com Lorca ( Fuente Vaqueros, 05/ 06/ 1898 – Granada, 18/ 08/ 1936 ), ele está com Lacan ( Paris, 13/ 04/ 1901 – Paris, 09/ 09/ 1981 ), na esteira de Marcuse (Berlim, 19/ 07/ 1898 – Starnberg, 29/ 07/ 1979 ) e também de André Breton ( Tinchebray, 19/ 02/ 1896 – Paris, 28/ 09/ 1966 ), ele dá a sua vida por a Grande Recusa, ele não pactua com os sicários, e assassinos, que fazem a guerra. Ele afronta, ele enfrenta os magnatas, ele canta pois de pé e não vai recuar. É mais que certo, portanto, ele é certo e sabido: quando os ricos fazem a guerra, quem morre são os pobres, são os pluri-proletários. Que existe, o socialismo, na ciência linguística, pois o lucro, caro Amigo, ele é sempre irmão do logro. Que uma coisa, de feito, é a serpente mercurial, outra cousa, deveras, é o cifrão comercial. Que uma cousa, decerto, é o ser jornalista, outra coisa, bem diversa, é o mester de jornaleiro. E se o engenho, por isso, é inato, a Poesia é um dom, o Poeta está sempre em estado de Graça. Se o dom, etimologicamente, é o que existe pra ser doado, «nenhum cristão deve ser mercador», aduzia, com «adresse», o Santo Agostinho ( Tagaste, 13/ 11/ 354 – Hipona, 28/ 08/ 430 ). O facto é que nem Cristo, nem Sócrates, nem Buda, nem Confúcio, cobraram dinheiro por os seus ensinamentos. Que a Lira de Conrado é patente e é premente, é especial e especiosa como a especulação. E aqui vem, à colação, a Alma e alvor do Álvaro Ribeiro ( Porto, 01/ 03/ 1905 – Lisboa, 09/ 10/ 1981 ): se a palavra distingue o homem do animal, a imaginação é, no bípede implume, o factor divinizante. E não e nanja «a louca da casa» de que fala o Malebranche ( Paris, 06/ 08/ 1638 – Paris, 13/ 10/ 1715 ). Por as imagens, quero eu dizer, por as parábolas, metáforas e alegorias, se exprime, ou se expressa, a Poesia de Conrado. É dele a maga e a mancia, a magia das imagens. E muito mais do que na razão, se escora e estriba, o Poeta, na patética paixão. Pois imagem é Mito. O estro é o astro e o astro o transporte. E é, a paixão, o patético infrene. A paixão que é a madre do génio engenioso. Dizer isto é citar, clarividente, «Com barro outra esperança»: «que nos resta, / meu amor, a não ser este adobe / em ruínas, que agora toco e se desfaz / estaladiço entre as minhas mãos, aventando / a pureza de tantas chuvas idas, / de tantos sóis nossos?  Que nos resta / a não ser esta tarde / penúltima de inverno já sem neve / e sem fábula?» Em laudas 107 e 108, é este um dos poemas mais luminosos, ou frutuosos, de todo o florilégio. E do jogo, e não do jugo: sendo o espírito, o espectáculo e a esperança, o lai é pois o lis, e a Lira de Conrado é falante e aflante. Ela é franca e é furor, ela é dança ponderosa à beira de um vulcão. Ou pra citarmos um título de Somerset Maugham (Paris, 25/ 01/ 1874 – Nice, 16/ 12/ 1965 ), se move, este Poeta, n’ «O Fio da  Navalha» (1944), no inglês original «The Razor’s Edge». É que Nietzsche ( Rocken, Prússia, 15/ 10/ 1844 – Weimar, Império Alemão, 25/ 08/ 1900 ) tem razão, e foram, estes lemas e emblemas, escritos com sangue. Precisemos, aqui, a conceição: o escopo primacial da política preste é estabelecer a amizade entre os membros da «polis»; esse o razoar do estrénuo Estagirita ( Estagira, 384 a. C. – Atenas, 322 a. C. ). Mas em vez disso, a guerra prolifera, e o homem da cidade é o lobo do homem, isso mesmo nos dizia o sápido Plauto ( Sarsina, Umbría, 254 a. C. – Roma, 184 a. C. ), in «Asinária», II, 4,88. A latina asserção («homo homini lupus») foi depois popularizada por Thomas Hobbes ( Westport, 05/ 04/ 1588 – Hardwick Hall, 04/ 12/ 1679 ), o Autor do «Leviatã» ( 1651 ). E é lógico e lícito: pra não cairmos na guerra de todos contra todos, nos amparemos, e escoremos, no Contrato Social, e não alembras, no lance, Jean Jacques Rousseau ( Genebra, 28/ 06/ 1712 – Ermenonville, 02/ 07/ 1778 )??? Se ele antecipa, com várias décadas, o movimento romântico, citemos, no ginásio, este génio: «O homem nasce livre, mas em toda a parte ele está acorrentado» ( in «O Contrato Social», 1762 ). Como nos diz, de feito, o nosso Professor, «Suavemente corren los cerrojos bien engrasados», «suavemente correm os ferrolhos bem lubrificados». É fértil o poema que começa dessarte: «E que haja tanto espaço aberto, tanto / ar livre, / tantas vontades de luz, e no entanto, / com que primor, com quanta / delicadeza, sim, / ajoelhados, / vamos limpando, / lubrificando, / abrilhantando, / os nossos ferrolhos!» Rousseau tem razão: a ferros vive, de feito, o homem moderno. Sejamos franco: no aljube em que vive o ibérico homem, Santamaría Bastida ( Haro, 04/ 09/ 1962 ) vai formando, reformando, e preste transformando: esse o seu múnus e é sua a missão. E muita Paz e muito Bem. Revolução com Ética é portanto a seguinte: é mister transformar as lanças em foices e as espadas, cruéis, em relhas de arado. Mas dêmos ora, a Conrado, a voz e a vez: «E quando o lixo chegou às nossas portas, / comemos lixo. / E quando se acabou o lixo, / comemos os nossos próprios dejectos. / Cada um os seus. / Por razões da intolerância.» Que eis o lance, e a razão, dum real abjeccionismo. Ou melhor: se ele defende, como o russo, os «Humilhados e Ofendidos» ( 1861 ), o exprimir, em Conrado, é espremer, espremer o pus e o fel da ferida narcísica. E instruindo, portanto, ele constrói. Ele abre as escolas, e fecha as prisões. Na Alquimia, portanto, do Verbo, a Obra, e oblata, está ao rubro: a  vida e os sonhos são laudas e folhas de um mesmo, dessarte, e único livro. Mas a escola, aqui, é libertária. E os livros tornam livre quem os quer bem. Ou não fossem, os livros, as laudas e louros para os homens que são livres; o típico, da escola, são as Artes Liberais. Induzir, entanto, é dizer. Educar, por isso, é nutrir. E o aluno só existe para ser alimentado. «O homem é aquilo que come», afiança, de feito, o Ludwig Feuerbach ( Landshut, 28/ 07/ 1804 – Rechenberg, Nuremberg, 13/ 09/ 1872 ). Pois assimilar, portanto, é ser similar a. Quanto à gnose, dessarte, ela é provecta e provençal. E o profeta, para os Antigos, era qual o Professor, o Professor, de «bona fide», aquele que professa. Aquele que tem o nome, o lume e acume. Na infância das nações, são os Poetas, dessarte, que educam os povos.  E foi o que aconteceu, «verbi gratia», com Homero ( 928 a. C. – 898 a. C. ) e com Virgílio ( Andes, 15/ 10/ 70 a. C. – Brundísio, 21/ 09/ 19 a. C. ), e com o Sófocles ( 497 ou 496 a. C. – Inverno de 406 ou 405 a. C. ),  decerto. A talho de foice, o Complexo de Édipo, de Freud ( Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Londres, 23/ 09/ 1939 ), foi retirado, de feito, de seu «Édipo Rei». E com a peça «Édipo», em 1718, Voltaire ( Paris, 21/ 11/ 1694 – Paris, 30/ 05/ 1778 ) foi considerado o sucessor de Racine (La Ferté-Milon, Aisne, 22/ 12/ 1639 – Paris, 21/ 04/ 1699). Aduz e diz, Percy Bysshe Shelley ( Field Place, Horsham, 04/ 08/ 1792 – Mar Lígure, Golfo de Spezia, 08/ 07/ 1822 ), em «A Defence of Poetry», «A Defesa da Poesia» (1822): «Os Poetas são os legisladores não reconhecidos do universo.» Pois como sucede, outrossim, com Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ), o rapsodo, ou trovador, é qual o estorvador. E retenhamos, de Nietzsche, «A Origem da Tragédia» ( 1872 ): teve ela a fonte, ela nasceu a partir das festas dionisíacas. E pra poderem assistir aos torneios teatrais das Dionisíacas, os pobres, na Grécia antiga, recebiam uma verba. Dioniso é o deus do teatro, e, por extensão, o deus das Belas-Artes. Etimologicamente, em grego, significa, «tragoedia», o «cântico do bode». Antes da representação dos dramas, exibiam-se cantores que usavam, deveras, pés de cabra ou de bode, à imagem dos faunos que habitavam as florestas. Sendo o canto dos actores acompanhado, apadrinhado, por o sacrifício de um bode; se o caprino devastava, «verbi gratia», as videiras, ele deveria, dessarte, ser sacrificado. Sendo o bode, alfim, o prémio primeiro dos torneios teatrais. Quanto aos Latinos, o deus Baco é conhecido por o nome de «Liber Pater», «O Pai da Liberdade». Se ele propicia, dessarte, a libação, simboliza o vinho, a embriaguez, a liberdade desenfreada e a subversão dos poderosos. Forte e fértil, portanto, em Bacanais, está ligado, simbolicamente, ao Carnaval, e é o mundo, feraz, do inconsciente, e é a festa da Poesia em todo o seu fulgor. Se a Musa à mesa, por isso, é anárquica Afrodite, a libido libera, o Poeta, do seu recalcamento. Citemos mais um livro de Friedrich Nietzsche, ele foi publicado em 1891 e chama-se, com «adresse», os «Ditirambos de Diónisos». E por isso especulemos: se o sonho é uma pequena loucura e a loucura, um grande sonho, a bebedeira é uma curta loucura e a loucura, deveras, uma longa bebedeira. Que não nos iludamos: de comum com o louco, tem o Poeta a sorte, e o condão, de sonhar acordado. Que o sonho, como em Desoille  (Besançon, França, 29/ 05/ 1890 – Paris, 10/ 10/ 1966), é feérica Obra de Arte. Seguindo, segundo Freud  ( Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Londres, 23/ 09/ 1939 ), é via régia para a floração, e exploração, da parte inconsciente. Se o sonho, por isso, alimenta a Poesia, é chegada, com Conrado, é chegada alfim a hora dos filósofos dormentes. Atentemos, então, num comento, ou pensamento, de Friedrich Nietzsche  (Rocken, Reino da Prússia, 15/ 10/ 1844 – Weimar, Império Alemão, 25/ 08/ 1900): a humana existência é uma questão de metáforas, metonímias, e de lautas litotes, e a Poesia de Conrado é de plectro, é de Lira, e é de mágica lanterna. E alumbrando, e fustigando pois as trevas com o Sol da sinergia. E tal como o germano, Conrado Santamaría Bastida ( Haro, 04/ 09/ 1962 ) é radical e é rábido, ele poetiza, preste, preste, às marteladas. Na Poesia de Conrado se faz um «happening», de feito, se dá, solenemente, o grito de Ipiranga; é que a lavra é o livro e o livre é a lavra, e eis a práxis, promoção, de nossos progredimentos. «A um poeta manso não se pode chamar poeta», aduzia, de feito, o meigo Maiakovski ( Baghdati, Império Russo, 19/ 07/ 1893 – Moscovo, Rússia, 14/ 04/ 1930 ). E cantar pois de pé. E nunca esmorecer. «E não recuar.» Vem a lume, este livro, pra soerguer e levantar, pra inflamar o mundo inteiro com a poética Palavra. Homens e mulheres, magnatas e mendigos, desafogados e judeus, sois todos bem-vindos ao ágape e cenáculo, ao poético banquete. E não alembras, ó ledor, o «Cénacle», selecto, de Victor Hugo ( Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885 )??? No cenáculo, outrossim, de Federico García Lorca ( Fuente Vaqueros, 05/ 06/ 1898 – Granada, 18/ 08/ 1936 ), a língua de Espanha é uma cifra sagrada. O inverso, e diverso, da existência autêntica, ou seja, o esquizóide e anomia do massificado, se lobriga, lautamente, em «Lóbiter ( Arquivo de crise )»: Eu vou do trabalho pra casa e de caso prò trabalho. / Tempo de esgoto! / Que dia descanso! Que dia não? / A bandeira de Espanha? / Deita-me umas gotas, que me choram os olhos.» Ou melhor: se a crise é crucial ela merece o criticismo. E a Poesia, cordial, ela é direito à diferença. E mais do que viver, Conrado ex-siste, isto é, ele surde e surge, dessarte, na verdade do Ser. E Conrado, por isso, desta sorte ele asserta: «Estava uma pomba assim…, / morta. / E por baixo / havia um lago / com caranguejos cegos e albinos. / Quando será o amanhã?» Quesito caroal como a Luz da camponesa, pergunta fundável e fundamental. Pois são do Poeta, que falámos, as fainas e afãs, são do Conrado, honradamente, os cantantes amanhãs.

Tomar, Cidade Templária, 02/ 01/ 2025

SPES MESSIS IN SEMINE

PAULO JORGE BRITO E ABREU