«O
drama do ser termina na libertação final pelo bem.»
Anthero
de Quental
Mais uma lavra a
não augar, nem recuar, na Península de Hespanha. O Poeta Carlos d’Abreu (
Maçores, 15/ 09/ 1961 ), como sempre, é graduado, agraciado, com o dom das
línguas lhanas. É que trasladar Poesia é crucial, e cordial, se for Poeta o
tradutor. Quanto a Conrado Santamaría Bastida ( Haro, La Rioja, 04/ 09/ 1962 ),
com fulgor, professando foi Professor de Grego e de Latim, ele é, lautamente,
um linguista. Sua Filologia, de feito, apela e anela uma sã Filosofia. Que
respeita, o Poeta, o simpósio. Acata, a Academia, o jardim de Academus. A
língua, portanto, é aquilo que liga. Se a deusa Atena é de ateneu, deus Apolo,
Apolo Lício, protege o liceu. Ouçamos, então, «E Não Recuar», o poema, ou
emblema, que dá o título ao volume: «Em todo o tempo e lugar / frente ao poder,
/ o olhar suster / e não recuar. / / Se o preceptor na escola, / a seu
bel-prazer, / te impõe regras à reguada, / pensa que não tens que acatar / e,
em pé, / o olhar suster / e não recuar.» Dizer isto, caroalmente, é relembrar:
na virulenta, violenta educação do Portugal salazarista, eram ensinados, os
Poetas, ao murro e pontapé. Mas depós o Roland Barthes ( Cherbourg, 12/ 11/
1915 – Paris, 26/ 03/ 1980 ) sabemos todos: se o texto, ao ser lido, não dá
prazer, das duas uma: ou está mal escrito, ou é, perverso, o leitor. Não assim
com Conrado Santamaría Bastida, não assim, ó legente, com Carlos d’Abreu. E se
as palavras são parábolas, eis o que asserta, Conrado, sobre o grão Jesús
Lizano (Barcelona, 23/ 02/ 1931 –
Barcelona, 25/ 05/ 2015), o Actor, e promotor, do «Mundo Real Poético»: «O
Capital e o Estado / Negaram-te nome e glória, / Trataram-te como a escória /
do pensar e do sentir, / pois te atreveste a dizer: «‘mi mundo no es de este
reino’». «Transformar o mundo», deveras e adrede: eis o anelo, e a analecta, de
Santamaría Bastida. E averbemos, aqui, «Nós não somos deste mundo» (1941), do
altíssimo Ruy Cinatti (Londres, 08/ 03/ 1915 – Lisboa, 12/ 10/ 1986 ).
Reincidindo, egregiamente: Professor de profissão é na verve o Conrado: é que
ele se libera a si, liberando os outros seres. Se este livro é «Liber Mundi»,
«libertino» significa, originariamente, o «livre-pensador». A prova de que o
Poeta é veramente Eleutério é o poema intitulado «Alimenta o Medo»: «Alimenta o
medo / migalhas, despojos, / mordaça na
boca / e venda nos olhos. // Com metade do pessoal/ posto no olho da rua/ e dizem
que me cale,/ que guarde a minha/
cadeira. A vida é simples / se te ajoelhas: / mordaça na boca / e venda
nos olhos.» Pois como acontecia, Conrado, com Anthero de Quental ( Ponta
Delgada, 18/ 04/ 1842 – Ponta Delgada, 11/ 09/ 1891 ), a Poesia moderna é
libertária, é a voz e a vez da Revolução. O sabe, muito bem, o sápido Vate:
Revolução se faz para instruir, e não e nanja, ó legente, pra desleixar, ou
destruir. E como dissemos, outrora, de Carlos Carranca ( Figueira da Foz, 09/
11/ 1957 – Lisboa, 29/ 08/ 2019 ), o dizemos, também, deste Poeta: Conrado
Santamaría Bastida não veio pra mandar, nem governar, ele veio ao mundo pra
cantar, e declamar, ao som de uma guitarra, e essa a sua faina, o seu fermento
e alimento. Ou seja: na barca e no
arcano, Conrado faz, arquitecto, o arquivo da crise. Quero eu dizer: Liberdade
é para o Poeta o fundamento e firmamento. Mas Liberdade é para todos, e para os
que pensam de maneira diferente da nossa. Ouçamos, por isso, o Poeta revel: «Colonizado,
/ não sou um ser colonizado, / eu mesmo / finquei a minha bandeira, / eu mesmo
/ tracei as minhas fronteiras, / eu mesmo / exploro as minhas riquezas, / eu
mesmo / exerço sobre mim violência, / eu mesmo / livremente / escrevi este
poema.» Sendo, a Poesia, o «Organon», o órgão, dessa mesma Liberdade. E sendo,
este livro, não o Ego nem a filáucia, mas o farto, filantropo, e o discurso do
Outro. Não a lei nem o tabu, mas o diálogo, acrisolado, do Eu com o Tu. Só à
base do diálogo se aduz, e alevanta, a dialéctica dual. Ou como diz o Vate:
«Dai-me ouvidos, companheiro, / companheira, / que aqui vos dou o meu
cancioneiro, / a minha bandeira.» «Companheiro» vem do Latim e significa
«aquele que reparte o pão», «o que come, conjuntamente, do mesmo pão.» E sendo
a Palavra, e sendo o Pau da lavra, o cenáculo e o selecto da Geração de
Setenta. Afiança, ferazmente, Fernando Grade ( Estoril, 01/ 04/ 1943 – Oeiras,
08/ 06/ 2024 ): «Os Poetas acasalam-se com a raiva». E se a Poesia de Conrado é
deveras radical, é que ela vai à raiz dos problemas e dilemas. Que o móbil de
vida do nosso Poeta é generoso e germinal, é «estar com quem sofre, com os
feridos, com as vítimas da história». A mesma História que expulsou, com Platão
( Atenas, 428/ 427 – Atenas, 348/ 347 a. C. ), os Poetas e Profetas da sua
República. Conrado, por isso, ao ser o Nume está imune, ele difunde, e ele
defende, a Palavra da revolta. Dedicado, com «adresse», a Bertolt Brecht (
Augsburg, 10/ 02/ 1898 – Berlim Leste, 14/ 08/ 1956 ), ouçamos parte do poema
«Perguntas duma mulher que lê»: «Quem amassou o pão dos que edificaram / Tebas,
a das sete portas? / Nos livros não se menciona o nome de / nenhuma. / Por
acaso reis e canteiros madrugaram por / lenha para acender o fogo? / E na
Babilónia, destruída tantas vezes, / quem carregou a água para os que a
levantaram / outras tantas? / E em Lima, resplandecente de ouro, quem / limpou
os tugúrios onde viviam os pedreiros?» É evidente, aqui, que Conrado Santamaría
Bastida está do lado do rebaixado e «abaissé», do explorado e sem abrigo, do
precito e do maldito. E onde houver, na «polis», um só proletário, se ergue a
Lira de Conrado, como um farol de Esperança; com ele nós cantaremos, e na lavra
do acúleo, nós não recuaremos. Cantaremos então de pé, e com o Sol do nosso
Amor derreteremos nós o gelo do diviso e da discórdia. É neste sentido que
Dostoiévski ( Moscovo, 11/ 11/ 1821 – São Petersburgo, 09/ 02/ 1881 ) tem
razão, que a Beleza, beletrista, salvará o mundo inteiro. E daí, comunial, a
comunicação, daí a ligação da Beleza com o Bem. Ou melhor: saúde, fraternidade,
a Beleza e o Bem aliados à Verdade. Conrado Santamaría Bastida: e aqui temos,
infrene, a parábola justiceira e a Paideia perene, eis a Paz, eis o Pão, eis a
láurea e a lis da lucubração. E temos visto e nós hemos de ver: através do selo
sigila o Poeta, seu carácter se desvenda através dos caracteres. E partilhando,
connosco, do ministério menestrel, ele no sidéreo sidera, no emissário remete,
sua Poesia é deveras o jornal de jornadas. Ou como asserta, decerto, o Poeta da
acracia: «Há que expropriar a luz / que nos iguala, / o bem que nos ampara! /
Há que expropriar, irmãos, / a palavra!, / que floresça / o seu imediato e
verdadeiro sentido! / Há que expropriar as leis dos astros, / que são afinal as
leis dos homens!» Quer ele dizer: devolvamos, à palavra, o seu antigo poder
mágico. Não sejamos denotativo, mas no cor conotativo; mais do que do
comunismo, aqui se trata, decerto, de «As Maravilhas Celestes», do
comunitarismo. Quero eu firmar: com compaixão, patética, por o ser senciente,
Conrado só é ciente porque ele é, antes do mais, um Poeta consciente.
Consciente no fazer. Que é o mesmo que inscrever: Conrado insiste, ele
ex-siste, ele persiste, preste e pronto, na ex-centricidade do Ser. Do Ser e do
«Dasein». Do «Dasein» e do «Mitsein». E isso, adrede, ele faculta, facilita e
deveras habilita. Que a promessa, portanto, é compromisso. Perante a fome, o
holocausto, e a guerra da Ucrânia, só nos resta, providente, perguntar: «Porquê
o Ser, e não o Nada»??? Ao quesito responderam, por vias diversas, o Schelling
( Leonberg, 27/ 01/ 1775 – Bad Ragaz, 20/ 08/ 1854 ), o Leibniz ( Leipzig, 01/
07/ 1646 – Hanôver, 14/ 11/ 1716 ) e com «adresse» o Heidegger (Messkirch, 26/
09/ 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26/ 05/ 1976). Quero eu dizer: as palavras,
em Conrado, não são negligentes. E como a Luz se reflecte, estamos perante, e
somos ante, o raciovitalismo de Ortega y Gasset ( Madrid, 09/ 05/ 1883 –
Madrid, 18/ 10/ 1955 ). A talho de foice, Santamaría Bastida faz sua, no Verbo,
«A Metáfora do Coração» da María Zambrano ( Vélez-Málaga, 22/ 04/ 1904 –
Madrid, 06/ 02/ 1991 ). Ou melhor: ao chamar, chamar a si o raciovitalismo,
Conrado enlaça, e abraça, a poética razão; eis a Ágora, no adro, e o Teatro do
Ser. Pois a Poesia, aqui, é uma questão, cordial, de vida ou de morte. Dous
escólios, agora: em rezar pascaliano, «o
coração tem razões que a razão desconhece». Aquilo que era, pra Pascal (
Clermont-Ferrand, 19/ 06/ 1623 – Paris, 19/ 08/ 1662 ), o coração, era, para Eduard von Hartmann (
Berlim, 23/ 02/ 1842 – Berlim, 05/ 06/ 1906 ), o Inconsciente, era a Vontade pra Schopenhauer ( Dantzig, 22/ 02/
1788 – Frankfurt, 21/ 09/ 1860 ). Ou, para Bergson ( Paris, 18/ 10/ 1859 –
Paris, 04/ 01/ 1941 ), o lilial «élan vital». Averbemos, aqui, que a lavra de
Hartmann, «A Filosofia do Inconsciente», foi lançada, lautamente, em 1869. Que
teve relevante, marcante influência em Anthero de Quental e Oliveira Martins. Apostilha,
deveras, sagrada ou segunda: a Poesia, em Conrado, é Filosofia de Vida, ela é,
no charme, existencial. E no Karma, ou no carme, a Lira de Conrado Santamaría
Bastida (Haro, 04/ 09/ 1962) é como a Lira, afinal, do Carlos d’Abreu (
Maçores, 15/ 09/ 1961 ) ela é da esfera, ela é da «esphera» do Sagrado. E sem
cairmos, ó ledor, em redundância: as Ciências beletristas são Ciências da
Cultura, são Ciências, no «clerc», Sociais ou Humanas, e por isso nós clamamos, e por
isso lhes chamamos as Ciências do Espírito. Sendo a Palavra qual o Pão e o Pão,
por isso mesmo, a poética parábola. E sendo a Cultura, logo a seguir ao Pão, a
carência mais alta do bípede implume. A Poesia, como a Filosofia, ela faz parte
ou participa da necessidade metafísica, metafísico é o homem muito mais que
racional. Que o almo de que falo ele alinha com Lorca ( Fuente Vaqueros, 05/
06/ 1898 – Granada, 18/ 08/ 1936 ), ele está com Lacan ( Paris, 13/ 04/ 1901 –
Paris, 09/ 09/ 1981 ), na esteira de Marcuse (Berlim, 19/ 07/ 1898 – Starnberg,
29/ 07/ 1979 ) e também de André Breton ( Tinchebray, 19/ 02/ 1896 – Paris, 28/
09/ 1966 ), ele dá a sua vida por a Grande Recusa, ele não pactua com os
sicários, e assassinos, que fazem a guerra. Ele afronta, ele enfrenta os
magnatas, ele canta pois de pé e não vai recuar. É mais que certo, portanto,
ele é certo e sabido: quando os ricos fazem a guerra, quem morre são os pobres,
são os pluri-proletários. Que existe, o socialismo, na ciência linguística,
pois o lucro, caro Amigo, ele é sempre irmão do logro. Que uma coisa, de feito,
é a serpente mercurial, outra cousa, deveras, é o cifrão comercial. Que uma
cousa, decerto, é o ser jornalista, outra coisa, bem diversa, é o mester de
jornaleiro. E se o engenho, por isso, é inato, a Poesia é um dom, o Poeta está
sempre em estado de Graça. Se o dom, etimologicamente, é o que existe pra ser
doado, «nenhum cristão deve ser mercador», aduzia, com «adresse», o Santo
Agostinho ( Tagaste, 13/ 11/ 354 – Hipona, 28/ 08/ 430 ). O facto é que nem
Cristo, nem Sócrates, nem Buda, nem Confúcio, cobraram dinheiro por os seus
ensinamentos. Que a Lira de Conrado é patente e é premente, é especial e
especiosa como a especulação. E aqui vem, à colação, a Alma e alvor do Álvaro
Ribeiro ( Porto, 01/ 03/ 1905 – Lisboa, 09/ 10/ 1981 ): se a palavra distingue
o homem do animal, a imaginação é, no bípede implume, o factor divinizante. E
não e nanja «a louca da casa» de que fala o Malebranche ( Paris, 06/ 08/ 1638 –
Paris, 13/ 10/ 1715 ). Por as imagens, quero eu dizer, por as parábolas, metáforas
e alegorias, se exprime, ou se expressa, a Poesia de Conrado. É dele a maga e a
mancia, a magia das imagens. E muito mais do que na razão, se escora e estriba,
o Poeta, na patética paixão. Pois imagem é Mito. O estro é o astro e o astro o
transporte. E é, a paixão, o patético infrene. A paixão que é a madre do génio
engenioso. Dizer isto é citar, clarividente, «Com barro outra esperança»: «que
nos resta, / meu amor, a não ser este adobe / em ruínas, que agora toco e se
desfaz / estaladiço entre as minhas mãos, aventando / a pureza de tantas chuvas
idas, / de tantos sóis nossos? Que nos
resta / a não ser esta tarde / penúltima de inverno já sem neve / e sem
fábula?» Em laudas 107 e 108, é este um dos poemas mais luminosos, ou
frutuosos, de todo o florilégio. E do jogo, e não do jugo: sendo o espírito, o
espectáculo e a esperança, o lai é pois o lis, e a Lira de Conrado é falante e
aflante. Ela é franca e é furor, ela é dança ponderosa à beira de um vulcão. Ou
pra citarmos um título de Somerset Maugham (Paris, 25/ 01/ 1874 – Nice, 16/ 12/
1965 ), se move, este Poeta, n’ «O Fio da
Navalha» (1944), no inglês original «The Razor’s Edge». É que Nietzsche (
Rocken, Prússia, 15/ 10/ 1844 – Weimar, Império Alemão, 25/ 08/ 1900 ) tem
razão, e foram, estes lemas e emblemas, escritos com sangue. Precisemos, aqui,
a conceição: o escopo primacial da política preste é estabelecer a amizade
entre os membros da «polis»; esse o razoar do estrénuo Estagirita ( Estagira,
384 a. C. – Atenas, 322 a. C. ). Mas em vez disso, a guerra prolifera, e o
homem da cidade é o lobo do homem, isso mesmo nos dizia o sápido Plauto (
Sarsina, Umbría, 254 a. C. – Roma, 184 a. C. ), in «Asinária», II, 4,88. A
latina asserção («homo homini lupus») foi depois popularizada por Thomas Hobbes
( Westport, 05/ 04/ 1588 – Hardwick Hall, 04/ 12/ 1679 ), o Autor do «Leviatã»
( 1651 ). E é lógico e lícito: pra não cairmos na guerra de todos contra todos,
nos amparemos, e escoremos, no Contrato Social, e não alembras, no lance, Jean
Jacques Rousseau ( Genebra, 28/ 06/ 1712 – Ermenonville, 02/ 07/ 1778 )??? Se
ele antecipa, com várias décadas, o movimento romântico, citemos, no ginásio,
este génio: «O homem nasce livre, mas em toda a parte ele está acorrentado» (
in «O Contrato Social», 1762 ). Como nos diz, de feito, o nosso Professor,
«Suavemente corren los cerrojos bien engrasados», «suavemente correm os
ferrolhos bem lubrificados». É fértil o poema que começa dessarte: «E que haja
tanto espaço aberto, tanto / ar livre, / tantas vontades de luz, e no entanto,
/ com que primor, com quanta / delicadeza, sim, / ajoelhados, / vamos limpando,
/ lubrificando, / abrilhantando, / os nossos ferrolhos!» Rousseau tem razão: a
ferros vive, de feito, o homem moderno. Sejamos franco: no aljube em que vive o
ibérico homem, Santamaría Bastida ( Haro, 04/ 09/ 1962 ) vai formando,
reformando, e preste transformando: esse o seu múnus e é sua a missão. E muita
Paz e muito Bem. Revolução com Ética é portanto a seguinte: é mister
transformar as lanças em foices e as espadas, cruéis, em relhas de arado. Mas
dêmos ora, a Conrado, a voz e a vez: «E quando o lixo chegou às nossas portas,
/ comemos lixo. / E quando se acabou o lixo, / comemos os nossos próprios
dejectos. / Cada um os seus. / Por razões da intolerância.» Que eis o lance, e
a razão, dum real abjeccionismo. Ou melhor: se ele defende, como o russo, os
«Humilhados e Ofendidos» ( 1861 ), o exprimir, em Conrado, é espremer, espremer
o pus e o fel da ferida narcísica. E instruindo, portanto, ele constrói. Ele
abre as escolas, e fecha as prisões. Na Alquimia, portanto, do Verbo, a Obra, e
oblata, está ao rubro: a vida e os
sonhos são laudas e folhas de um mesmo, dessarte, e único livro. Mas a escola,
aqui, é libertária. E os livros tornam livre quem os quer bem. Ou não fossem,
os livros, as laudas e louros para os homens que são livres; o típico, da
escola, são as Artes Liberais. Induzir, entanto, é dizer. Educar, por isso, é
nutrir. E o aluno só existe para ser alimentado. «O homem é aquilo que come»,
afiança, de feito, o Ludwig Feuerbach ( Landshut, 28/ 07/ 1804 – Rechenberg,
Nuremberg, 13/ 09/ 1872 ). Pois assimilar, portanto, é ser similar a. Quanto à
gnose, dessarte, ela é provecta e provençal. E o profeta, para os Antigos, era
qual o Professor, o Professor, de «bona fide», aquele que professa. Aquele que
tem o nome, o lume e acume. Na infância das nações, são os Poetas, dessarte,
que educam os povos. E foi o que
aconteceu, «verbi gratia», com Homero ( 928 a. C. – 898 a. C. ) e com Virgílio
( Andes, 15/ 10/ 70 a. C. – Brundísio, 21/ 09/ 19 a. C. ), e com o Sófocles (
497 ou 496 a. C. – Inverno de 406 ou 405 a. C. ), decerto. A talho de foice, o Complexo de
Édipo, de Freud ( Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Londres, 23/ 09/ 1939 ),
foi retirado, de feito, de seu «Édipo Rei». E com a peça «Édipo», em 1718,
Voltaire ( Paris, 21/ 11/ 1694 – Paris, 30/ 05/ 1778 ) foi considerado o
sucessor de Racine (La Ferté-Milon, Aisne, 22/ 12/ 1639 – Paris, 21/ 04/ 1699).
Aduz e diz, Percy Bysshe Shelley ( Field Place, Horsham, 04/ 08/ 1792 – Mar
Lígure, Golfo de Spezia, 08/ 07/ 1822 ), em «A Defence of Poetry», «A Defesa da
Poesia» (1822): «Os Poetas são os legisladores não reconhecidos do universo.»
Pois como sucede, outrossim, com Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ), o
rapsodo, ou trovador, é qual o estorvador. E retenhamos, de Nietzsche, «A
Origem da Tragédia» ( 1872 ): teve ela a fonte, ela nasceu a partir das festas
dionisíacas. E pra poderem assistir aos torneios teatrais das Dionisíacas, os pobres,
na Grécia antiga, recebiam uma verba. Dioniso é o deus do teatro, e, por
extensão, o deus das Belas-Artes. Etimologicamente, em grego, significa,
«tragoedia», o «cântico do bode». Antes da representação dos dramas, exibiam-se
cantores que usavam, deveras, pés de cabra ou de bode, à imagem dos faunos que
habitavam as florestas. Sendo o canto dos actores acompanhado, apadrinhado, por
o sacrifício de um bode; se o caprino devastava, «verbi gratia», as videiras,
ele deveria, dessarte, ser sacrificado. Sendo o bode, alfim, o prémio primeiro
dos torneios teatrais. Quanto aos Latinos, o deus Baco é conhecido por o nome
de «Liber Pater», «O Pai da Liberdade». Se ele propicia, dessarte, a libação,
simboliza o vinho, a embriaguez, a liberdade desenfreada e a subversão dos
poderosos. Forte e fértil, portanto, em Bacanais, está ligado, simbolicamente,
ao Carnaval, e é o mundo, feraz, do inconsciente, e é a festa da Poesia em todo
o seu fulgor. Se a Musa à mesa, por isso, é anárquica Afrodite, a libido
libera, o Poeta, do seu recalcamento. Citemos mais um livro de Friedrich
Nietzsche, ele foi publicado em 1891 e chama-se, com «adresse», os «Ditirambos
de Diónisos». E por isso especulemos: se o sonho é uma pequena loucura e a
loucura, um grande sonho, a bebedeira é uma curta loucura e a loucura, deveras,
uma longa bebedeira. Que não nos iludamos: de comum com o louco, tem o Poeta a
sorte, e o condão, de sonhar acordado. Que o sonho, como em Desoille (Besançon, França, 29/ 05/ 1890 – Paris, 10/
10/ 1966), é feérica Obra de Arte. Seguindo, segundo Freud ( Freiberg in Mahren, 06/ 05/ 1856 – Londres,
23/ 09/ 1939 ), é via régia para a floração, e exploração, da parte
inconsciente. Se o sonho, por isso, alimenta a Poesia, é chegada, com Conrado,
é chegada alfim a hora dos filósofos dormentes. Atentemos, então, num comento,
ou pensamento, de Friedrich Nietzsche (Rocken,
Reino da Prússia, 15/ 10/ 1844 – Weimar, Império Alemão, 25/ 08/ 1900): a
humana existência é uma questão de metáforas, metonímias, e de lautas litotes,
e a Poesia de Conrado é de plectro, é de Lira, e é de mágica lanterna. E
alumbrando, e fustigando pois as trevas com o Sol da sinergia. E tal como o
germano, Conrado Santamaría Bastida ( Haro, 04/ 09/ 1962 ) é radical e é
rábido, ele poetiza, preste, preste, às marteladas. Na Poesia de Conrado se faz
um «happening», de feito, se dá, solenemente, o grito de Ipiranga; é que a
lavra é o livro e o livre é a lavra, e eis a práxis, promoção, de nossos
progredimentos. «A um poeta manso não se pode chamar poeta», aduzia, de feito,
o meigo Maiakovski ( Baghdati, Império Russo, 19/ 07/ 1893 – Moscovo, Rússia,
14/ 04/ 1930 ). E cantar pois de pé. E nunca esmorecer. «E não recuar.» Vem a
lume, este livro, pra soerguer e levantar, pra inflamar o mundo inteiro com a
poética Palavra. Homens e mulheres, magnatas e mendigos, desafogados e judeus,
sois todos bem-vindos ao ágape e cenáculo, ao poético banquete. E não alembras,
ó ledor, o «Cénacle», selecto, de Victor Hugo ( Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris,
22/ 05/ 1885 )??? No cenáculo, outrossim, de Federico García Lorca ( Fuente
Vaqueros, 05/ 06/ 1898 – Granada, 18/ 08/ 1936 ), a língua de Espanha é uma
cifra sagrada. O inverso, e diverso, da existência autêntica, ou seja, o
esquizóide e anomia do massificado, se lobriga, lautamente, em «Lóbiter (
Arquivo de crise )»: Eu vou do trabalho pra casa e de caso prò trabalho. /
Tempo de esgoto! / Que dia descanso! Que dia não? / A bandeira de Espanha? /
Deita-me umas gotas, que me choram os olhos.» Ou melhor: se a crise é crucial
ela merece o criticismo. E a Poesia, cordial, ela é direito à diferença. E mais
do que viver, Conrado ex-siste, isto é, ele surde e surge, dessarte, na verdade
do Ser. E Conrado, por isso, desta sorte ele asserta: «Estava uma pomba assim…,
/ morta. / E por baixo / havia um lago / com caranguejos cegos e albinos. /
Quando será o amanhã?» Quesito caroal como a Luz da camponesa, pergunta
fundável e fundamental. Pois são do Poeta, que falámos, as fainas e afãs, são
do Conrado, honradamente, os cantantes amanhãs.
Tomar,
Cidade Templária, 02/ 01/ 2025
SPES
MESSIS IN SEMINE
PAULO JORGE BRITO E ABREU